
Mais uma noite no acampamento, com figuras sombrias à espreita e sem modo imediato de fuga, o que mais pode dar errado?
Isso na verdade depende totalmente de você, como jogador, em The Quarry, novo jogo de aventura narrativa desenvolvido pela Supermassive Games e distribuído pela 2K.
O Game
Seguindo a linha dos outros jogos da desenvolvedora, como Until Dawn e a franquia The
Dark Pictures Antology, The Quarry te coloca na história de um grupo de 9 monitores de acampamento, que devem passar mais uma noite na titular Hackett’s Quarry após um deles, o clássico arquétipo do esportista imaturo, sabotar a van do grupo em uma tentativa de reatar com sua paixonite do verão. As coisas não vão muito como o esperado.
Mas antes de continuar com a história em si, vale ressaltar um ponto que chama muito a atenção, todo o elenco do jogo é composto por atores reais de Hollywood que fizeram a captura de performance juntamente com o trabalho da dublagem dos personagens. Dentre os maiores nomes temos:
- David Arquette como Chris Hackett, o dono do acampamento Hackett’s Quary, conhecido como Dewey. o herói improvável da franquia Pânico,
- Ariel Winter como Abigail Blyg, uma das nove monitoras, conhecida como Alex Dunphy de Modern Family;
- Justice Smith como Ryan Erzahler, outro dos monitores, conhecido por filmes como Detetive Pikachu e a franquia Jurassic World;
- Ted Raimi, fazendo o papel do policial suspeito do prólogo do jogo, conhecido por filmes como Creepshow, e as trilogias do Evil Dead e do Homem-Aranha do Sam Raimi;
- E Grace Zabriskie como a vidente que aparece entre os capítulos, conhecida como Sarah Palmer na série Twin Peaks e por seus outros projetos com o diretor David Lynch;
Claro que ainda tem muitos outros nomes, como Brenda Song, Lance Henriksen e Lin Shaye, mas para não nos estendermos demais nesse ponto e para preservar a história do jogo, deixaremos apenas essas menções.

Com o veículo que levaria os jovens de volta à suas vidas cotidianas sabotado, e um episódio bem sinistro envolvendo o já mencionado Chris Hackett, o grupo decide fazer o que qualquer um nessa situação faria, e resolvem festejar com direito a música alta, verdade ou desafio e uma competição de tiro por um salgadinho que está vencido há mais de vinte anos. Comportamento perfeitamente normal para qualquer jovem em filme de terror, então seguiremos o baile. Nisto, também menciono os diálogos, que podem agradar e entreter aqueles já acostumados com os filmes que grande parte do elenco já estrelou, ou quebrar totalmente a imersão daqueles que não tem experiência com esse tipo de terror adolescente, tornando as conversar bobas, infantis, praticamente uma comédia.
Nesse momento, é importante mencionar que The Quarry é uma homenagem aos filmes de terror. Desde filmes slasher, quanto monstros na floresta, contos de fantasmas e terror adolescente, o jogo expõe abertamente todas essas influências de várias formas distintas. Vemos ecos de Sexta-Feira 13, Acampamento Sinistro e O Massacre da Serra Elétrica, enquanto os próprios desenvolvedores assumiram inspiração no Filme O Enigma de Outro Mundo e Abismo do Medo, ao mesmo tempo em que algumas rotas mostram referências claras à Uma Noite Alucinante.
Digo tudo isso, não como forma de criticar a história, mas sim como um modo de celebrar esse gênero junto com o jogo, do qual eu sou um grande fã, inclusive de todos os atores e filmes citados. É perceptível uma paixão de fãs, os desenvolvedores, que transborda para outros fãs, nós os jogadores.
A História
A história que The Quarry propõe é boa e cativante, instigante desde o primeiro quick time event e nos deixa adivinhando e antecipando com gosto os rumos e reviravoltas que estão para acontecer.
Sem entregar a trama, posso apenas dizer que a revelação do monstro, das motivações dos personagens que parecem absurdas no começo e da razão dos intervalos entre os capítulos com leituras de tarot com Grace Zabriskie me deixaram satisfeito, e interessado em conhecer outros rumos para a história que eu possa ter perdido em minha primeira campanha.
Para permitir que o jogador acompanhe as escolhas feitas, o jogo emprega um menu dividido em várias “fitas VHS” que contém linhas narrativas que vão se cruzando, se alimentando e causando repercussões umas nas outras. Algumas vezes inclusive, de modo extremamente sorrateiro.
Vou dar um exemplo sem spoilers.
Logo no primeiro capítulo, Abi e Emma estavam procurando por suas malas nos alojamentos. A porta da cabine em questão estava trancada e você, jogador, deve fazer uma escolha. Arrombe a porta e pegue as malas, ou peça ajuda para Chris quando o encontrar?
Aparentemente inofensiva, minha decisão de arrombar a porta serviu para mover minha história de um jeito único. Com implicações até mesmo na história de uma personagem que nem estava perto dessa cena em um momento crítico no clímax do jogo.
O que quero dizer com isso é: as histórias têm um grande espaço para customização, e toda e qualquer decisão, ou falta de, impacta momentos que parecem completamente desconexos.
Por consequência, isso gera nos jogadores cativados por essa história um incentivo para tentar outras rotas, encontrar todas as pistas durante a exploração e descobrir mais dos mistérios que rondam Hackett’s Quarry, seus monitores e seus habitantes.
Uma crítica bem pontual que faço à história é a falta de um epílogo satisfatório. O dia volta a nascer, as pontas estão se amarrando, mas não vemos algo parecido com o Until Dawn em que cada um dos personagens dá um depoimento sobre os eventos do jogo. Ficou um momento vazio em que uma caixa de texto paira sobre cada um, contando informações que você já sabe pelo contexto em que sua história já tinha se encerrado no capítulo 10. Parece que é mais uma chuva no molhado do que uma resolução que satisfaça quem acompanhou os monitores nessa noite alucinante.
Gameplay
Falamos tanto sobre a história, mas vamos passar a bola para o gameplay agora.
Nos momentos em que controlamos diretamente os personagens, os jogadores devem explorar os cenários procurando as mencionadas pistas e itens colecionáveis para ampliar o entendimento na história e seguir de ponto A até B para a próxima cena da história.
Além disso, em diversos momentos os jogadores devem enfrentar Quick Time Events “testes” de reação que na verdade servem para ver se eles realmente estão com o controle em mãos, porque falhar num desses é uma escolha consciente em si, isso quando o jogo não buga e não registra o input. Escolhas essas, que inclusive têm tanto impacto na história quanto aquelas feitas em diálogos.
Apesar de ser obviamente um game de terror, não é possível sentir desespero ou pânico em nenhum momento. E tanto a reação dos personagens como seus diálogos são responsáveis por isso. Mesmo em situações que claramente seria de um desespero total na pele dos garotos, tudo é tratado com tranquilidade ou brincadeiras em que tira totalmente o climax do jogo, o tornando quase sátiro. Dylan, por exemplo, sempre está sorrindo.
Temos também cerca de 7 momentos em que os personagens devem mirar a arma e atirar, e que contam novamente com escolhas, e situações em que o botão X ou A deve ser apertado por tempo suficiente para evitar algo de ruim, e não surpreendendo ninguém nesse ponto, também contam como escolhas.
No final das contas, The Quarry se apresenta em pontos como um jogo assistido, mais do que um filme jogável, o que não é algo inerentemente ruim, mas um aspecto a se considerar, pois em muitos momentos causa tédio.
O jogo inclusive conta com um “Modo Filme” em que todas as escolhas são feitas pelo computador a partir de alguns parâmetros escolhidos no começo da sessão.

Em termos do áudio, desta experiência audiovisual jogável, a trilha sonora é outra faceta do jogo que bebe muito da mesma influência setentista e oitentista que o próprio tanto esbanja, com músicas repletas de sintetizadores no melhor estilo John Carpenter.
A sonoplastia também não deixa a desejar, com sons grotescos, ambientações deliciosamente sinistras e performances vocais que servem bem o papel que é proposto.
Gráficos e Bugs
Falando de bugs, não conseguimos encontrar muitos na versão de Playstation 5 em que jogamos, apenas me chamou a atenção a forma com que a neblina “quebra” durante a exploração, sumindo e voltando sem razão óbvia conforme as mexidas de câmera. Vai entender. Já na versão de PC, os cabelos de Abi são um problema sério, quando começam a tremer chegam a te tirar do jogo de tão bizarro.

Em relação aos gráficos, nas duas versões o jogo pecou justamente onde não poderia. Se estamos falando em um “filme” temos que crer que o vemos é algo próximo ao real, mas é impossível. As movimentações dos personagens são muito robóticas e ruins, principalmente as femininas, com rebolados exagerados e expressões faciais. No caso de Ryan é ainda pior, pois sempre utiliza a mesma, nunca demostrando emoções, aparentando que o ator teve pouco tempo para captura de movimentos.

Mas nada é pior do que a água! Em momentos da história, os garotos entrar no lago, seja para fugir ou se divertir, mas aparentemente eles tem o poder de não se molhar, pois tanto dentro d´água ou acabando de sair dela se mantem sequinhos! Realmente, este elemento não recebeu o carinho necessário pelo pessoal da CGI.
Conclusão
No fim das contas, The Quarry é um bom jogo-filme? Eu diria que é um bom filme, se você tem um apreço por algum dos membros do elenco, pelas obras de terror que influenciaram o jogo ou se é apenas um fã de aventuras narrativas interativas.
Aqueles que gostaram de Until Dawn, The Dark Pictures Antology e os jogos da Telltale vão se sentir em casa nesta jornada. Penso também que até os fãs de Life is Strange vão encontrar valor, pela temática adolescente, diálogo (ruins) um tanto quanto equivalente e a presença do sobrenatural.
Pessoalmente, gostei muito da experiência pois sinto que sou exatamente o público-alvo que esse projeto tenta emplacar. Mas na realidade brasileira, a porta de entrada para essa experiência não é das mais acessíveis, custando R$ 350,00 em todas as plataformas. Vale a pena se você, assim como eu, estiver tão imerso nesse contexto do terror, se não, esperar uma promoção e fugir dos spoilers é uma opção. Agora, se seu negócio é games de ação, esqueça, pois esse acampamento não é para você!
E lembre-se, se você decidir embarcar nessa noite no acampamento Hackett’s Quarry,
o que não te mata, vai te deixar mais forte.