
Tudo começou num bar com cheiro de xixi
“Double Dragon” é uma franquia que faz parte do alicerce de minha formação gamer. Depois da escola, era costume passar por um certo bar que fedia a mijo, mas tinha essas máquinas maravilhosas. Elas ficavam perto do banheiro – daí o cheiro inesquecível – e eram sempre duas: às vezes duas arcades; às vezes uma arcade e uma pinball. O dono trocava os títulos regularmente.

Nesse boteco, que não passaria por uma inspeção da vigilância sanitária, joguei “Time Pilot”, “Commando”, “Phoenix”, “Kung Fu Master”, “Elevator Action”, “Rally X”, “Rygar”, e “Double Dragon”. Mas a máquina da Technos foi uma das que mais me marcou.
“Double Dragon” foi um arcade inovador. Até então, a mecânica de beat n’ up era muito rudimentar e a Technos acabou criando um sistema complexo e dinâmico em “Renegade” mas ele ainda era falho e difícil de dominar. Então, com o jogo dos irmãos Lee, eles chegaram a uma perfeição muito além de seu tempo.
Grandes remakes trazem grandes responsabilidades

“Double Dragon” talvez seja uma das franquias que teve mais remakes e continuações, muitas delas brilhantes, outras medianas e alguns desastres completos. Toda vez que anunciam um novo “Double Dragon” eu torço para que não saia nada nos moldes de “Double Dragon 3” dos arcades ou do horrendo “Double Dragon V” que, apesar de péssimo, saiu para todas as plataformas da época, até para o Atari Jaguar!
Quando fiquei sabendo de “Double Dragon Neon”, o fato de ser uma produção da WayForward me deixou um pouco mais tranquilo. O trabalho deles com “Street Fighter II – Turbo HD Remix” foi espetacular, então sabia que o jogo não seria um desastre total. Porém, as screenshots e os vídeos que vi na época (o jogo foi lançado para Xbox360 e Playstation 3 em 2012) me deixaram um tanto decepcionado. As animações pareciam fracas e os personagens exageradamente artificiais, lembrando mais bonecos articulados do que mestres do Sosetsuken. Naquele momento, não senti nenhuma vontade de jogá-lo e acabei deixando que o jogo passasse desapercebido.
A versão Steam de “Double Dragon Neon” demorou quase dois anos para ser lançada e, graças à oportunidade de fazer o review para o Kapoow, acabei colocando as mãos no jogo que havia torcido o nariz anos atrás.
“Double Dragon Neon” foi portada pela Abstraction Games, a mesma que fez o excelente port de “Hotline Miami” para o Playstation Vita e distribuído pela Midnight City. Apesar de ter sido lançado dois anos após as versões dos consoles, só conta com o modo multiplayer online como novidade. Tirando isto, o jogo é rigorosamente o mesmo de 2012.
Neon não é apenas um subtítulo
A estética de “Double Dragon Neon” tem tudo a ver com seu nome. O jogo é repleto de glow, pirotecnia e efeitos exagerados de iluminação. Só que tudo isso é proposital para criar uma atmosfera do fim dos anos oitenta, início dos noventa. É como se essa fosse uma leitura propositalmente brega do clássico beat n’ up, trazendo a estética dos anos em que ele reinou para dentro do jogo.
O visual debochado dos personagens, por incrível que pareça, teve a participação direta de Yoshihisa Kishimoto, designer responsável pelo “Renegade” e o “Double Dragon” clássicos! Kishimoto ajudou com esboços para Billy e Jimmy, acompanhou o trabalho da WayForward e deu sua benção ao remake. Essa e outras histórias do criador dos irmãos Lee podem ser lidas neste excelente artigo da Polygon.com.

Após entender as escolhas de design, o jogo fica impressionantemente agradável. Não é tecnicamente impressionante, mas a simplicidade é compensada com estilo e humor em doses certeiras. A versão Steam de “Double Dragon Neon” não possui nenhuma melhoria visual em relação aos consoles e existem poucas opções de customização para usuários mais experientes. Basicamente só é possível alterar a resolução de tela e outros detalhes menores.
Eles jogaram no NES antes de fazer este jogo
A mecânica de “Double Dragon Neon” é única, mas parece ter uma inspiração direta nos jogos do NES, em especial em “Double Dragon 2”, o jogo preferido de nove entre dez fãs da série. Golpes como a voadora giratória (avó do Tatsumaki Sempukyaku de Ryu e Ken em Street Fighter), o uppercut e a joelhada voadora, acionados após se agachar, funcionam exatamente como em “Double Dragon 2” mas param por aí. As famosas cotoveladas e sequências de joelhadas na cabeça dos oponentes – marcas registradas dos irmãos Lee – foram esquecidos e rasteiras e ombradas foram incluídas. Além de um rolamento defensivo que pode acionar o “Glean effect”se usado na hora certa e que dobra o dano dos próximos ataques. O sistema de combate é bom, mas seu estilo tende mais aos beat n’ ups dos anos 90 do que a “Double Dragon”. Isso não é necessariamente um defeito, mas poderia ter sido mais puxado para o clássico.

Durante os combates, os inimigos deixam cair fitas cassete que acrescentam habilidades especias ativas (Sosetsitsu) e passivas (Stances). Cada habilidade possui dez níveis e é possível aumentá-los pegando fitas repetidas ou comprando em lojas escondidas nos cenários. Também é possível aumentar o limite máximo das habilidades encontrando o TapeSmith e utilizando Mythril, um metal raro que é obtido ao matar certos bosses.

Além disso, existem muitas armas: tanto as clássicas como a faca, o bastão de beisebol e o chicote quanto outras mais comuns em jogos modernos como canos, shurikens, leques e até mesmo braços e cabeças de zumbi!
A versão do Steam de “Double Dragon Neon” possui uma característica nova (a única): O modo multiplayer online. Enquanto nos consoles só é possível jogar em dupla localmente, a versão para computadores permite que você crie salas ou procure por jogadores online, entretanto, o sistema de matchmaking é bem incompleto. Não existem filtros que permitam que você encontre jogadores da mesma região e você acaba sendo pareado com pessoas distantes e o lag fica enorme. Em todas as partidas que tentei jogar com pessoas aleatórias, a latência altíssima deixava a partida impossível. Já as partidas com amigos do Steam, da mesma região, funcionam muito bem.
Follow me, follow me
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Ficha Técnica:
Double Dragon Neon
Plataformas: PSN e Xbox Live Arcade (2012) / Steam (2014)
Desenvolvedor: WayForward / Abstraction Games ( Steam )
Distribuidor: Majesco / Midnight City ( Steam )
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A música de “Double Dragon Neon” é um capítulo à parte. Composta por Jake Kaufman, que trabalhou na trilha sonora de outros jogos com espírito oitentista como “Contra 4”, “DuckTales Remastered” e “Retro City Rampage”, algumas canções são remixes diretos de temas clássicos de jogos da série e outras são verdadeiras composições novas, mesclando trechos clássicos e até mesmo letras seguindo as melodias tradicionais! A música da segunda fase tem um refrão chiclete que ecoou pela minha cabeça por dias. O tema principal de “Double Dragon” com letra cantada também é espetacular. Algumas faixas podem ser ouvidas direto do Bandcamp do compositor:
- Mango Tango – Neon Jungle ( Follow me, Follow Me )
- End Credits – Dared to Dream
- Title Theme – Double Dragons
- Lab 1 – Double Dragon 2, mission 1
Nota: 7/10
[ Na falta de uma expressão melhor em português, a impressão que ficou de “Double Dragon Neon” foi: “Mixed Feelings”. Não era exatamente o que eu esperava, faltaram elementos clássicos para que eu pudesse considerá-lo um verdadeiro “Double Dragon” mas, ao mesmo tempo, foi capaz de me prender por horas e me fazer querer jogar de novo nas dificuldades maiores que foram desbloqueadas após finalizá-lo. “Double Dragon Neon” definitivamente vale os R$ 9,99 que custa no Steam, não somente para os coroas que jogavam em fliperamas com cheiro de xixi mas também para os jogadores mais novos, que não tiveram a oportunidade de experimentar as melhores versões desse clássico. Enquanto não aparecer outra versão, “Double Dragon 2 – The Revenge”, do NES e “Double Dragon Advance”, do Gameboy Advance, continuam sendo os meus preferidos. ]