
No dia 23 de setembro de 1889 Fusajiro Yamauchi fundava uma pequena empresa em Kyoto, no Japão: a Nintendo.
Sua especialidade? Fabricar baralhos de Hanafuda, um jogo de cartas japonês que eram permitidos após uma lei japonesa que bania a importação de outros tipos de jogos de carta. O empreendimento deu tão certo que logo foi aberta uma segunda filial em Osaka. Mas no longo prazo, nem tudo era maravilhas no mundo dos baralhos.
Em 1947, a Nintendo estava sob o controle de Sekiryo Kaneda, também conhecido como Sekiryo Yamauchi, que era o genro do fundador da empresa, Fusajiro Yamauchi. Por conta de problemas de saúde, ele viu que seria necessário passar a presidência da empresa para uma nova geração. Então ele chamou seu neto, Hiroshi Yamauchi, que aceitou a tarefa, mas com uma condição: mais nenhum membro da família poderia fazer parte da empresa.
Além das cartas…
Ao assumir a empresa em 1949, a vida de Yamauchi não foi fácil. Como era muito mais novo do que os presidentes anteriores (ele tinha apenas 22 anos quando assumiu a presidência), os funcionários logo entraram em greve pensando que seria fácil conseguir aumento. Logo ele tinha demitido uma série de funcionários antigos da empresa e impôs sua autoridade de maneira até hoje questionada por muitos especialistas. Ele assegurou que apenas ele teria controle sobre as futuras investidas da empresa.
Ele implementou uma série de novidades na empresa. A primeira foi passar de baralhos de papel para plástico. Depois, acertou um acordo com a Walt Disney e começou a fabricar baralhos com personagens da Disney. Para aumentar o mercado, já que jogos de aposta ainda eram proibidos no Japão, Yamauchi usou a parceria com a Disney para fazer baralhos voltados para jogos para a família.
Essa iniciativa tornou a Nintendo a maior fabricante de baralhos do Japão, mas isso ainda não era o bastante, e Yamauchi foi para os Estados Unidos conhecer como funcionava a United States Playing Card Company, a maior fabricante de baralhos do mundo.
Ao chegar ao escritório, sua decepção foi enorme. Ao contrário de uma empresa gigantesca e forte por conta da força de jogos de cartas no ocidente, ele encontrou um pequeno escritório e fábrica. Hiroshi Yamauchi chegou a conclusão que o espaço para crescimento no mercado de cartas era limitado, e que era necessário diversificar os investimentos e se aventurar em outros negócios.
Sua primeira aventura foi comprar uma empresa de Táxi chamada Daiya. O estilo agressivo de trabalhar com os funcionários não resultou em bons negócios e a empresa não cresceu como Yamauchi esperava, fazendo com que ele investisse em outra linha de serviços: motéis.
Com esse novo empreendimento, as coisas também não foram muito melhores. A ideia era que as pessoas alugassem os quartos por hora, de maneira semelhante a vista nos motéis brasileiros, mas o negócio também não cresceu como Yamauchi esperava.
O fracasso desses e outros investimentos foi tão grande que a Nintendo chegou à beira da falência.
De volta à fábrica…
Enquanto observava a situação da fábrica, Yamauchi viu um de seus engenheiros, Gunpei Yokoi, brincando com uma garra retrátil. Era um simples brinquedo que Yokoi tinha feito nas horas vagas na empresa. Mesmo assim, era algo que impressionou Yamauchi e ele pediu que Yokoi transformasse isso num produto. Em 1966 a Nintendo lançava a Ultra Hand, uma mão retrátil que conquistou enorme números de vendas, fazendo com que Yamauchi mudasse o foco da empresa de cartas para jogos e brinquedos.
O responsável pelo novo departamento era Yokoi, e foi responsabilidade dele desenvolver novos produtos. O primeiros foram um “Teste do Amor” e uma pistola que usava células foto-sensíveis para identificar acertos, algo como um bisavô do Laser Shot ou outros brinquedos de tiro.
Após uma série de sucessos, Yokoi ganhou ainda mais espaço dentro da empresa para apresentar ideias diferentes e mais ousadas…
Jogos na TV
Enquanto a Nintendo procurava novas possibilidades de negócio, uma nova febre explodia no ocidente, os videogames. Logo, Yamauchi soube que a Magnavox e a Atari estavam vendendo produtos que podiam ser ligados em televisores domésticos e permitiam que as pessoas jogassem em casa, sem a necessidade de ir a um arcade. A Nintendo imediatamente negociou e começou a comercializar o Manavox Odyssey no Japão.
Mas a empresa continuou a investir em sua equipe de engenharia interna e lançou o Color TV-Game 6, uma coletânea de jogos simples como pong e similares. A série continuou e teve outras 4 versões. O primeiro e segundo modelo, Color TV-Game 15, venderam mais de um milhão de unidades cada, levando Yamauchi a querer focar os investimentos da Nintendo nesse novo tipo de entretenimento, fazendo com que a Nintendo também lançasse uma série de jogos para arcades no Japão.
Com o sucesso nos consoles caseiros e arcades, Yamauchi resolveu abrir uma filial nos Estados Unidos. O primeiro objetivo era relançar jogos de sucesso nos arcades japoneses. Só teve um problema, eles não atraíram muita atenção.
Jogos como Radar Scope, Space Fever e Sheriff tinham sido grandes sucessos no Japão, mas não chamaram a atenção do público norte americano. Foi aí que Yamauchi chamou uma jovem promessa da empresa, Shigeru Miyamoto, e pediu que ele desse um jeito de aproveitar os gabinetes encalhados de Radar Scope antes de fechar o escritório nos Estados Unidos.
Miyamoto então criou o jogo Donkey Kong, que chegou aos arcades estadunidenses em 1981. O jogos fez tanto sucesso que os donos das casas de arcades e bares que tinham o jogo precisavam esvaziar as máquinas várias vezes ao dia, ao invés de apenas uma.
Empolgado com o sucesso mundial, Yamauchi criou três equipes de “pesquisa e desenvolvimento”. A ideia era que elas competissem entre si para desenvolver mais inovação. Yokoi, que era o líder da primeira equipe, criou o primeiro portátil com tela LCD e que tivesse um microprocessador. O nome era Game & Watch.
Gunpei Yokoi teve a ideia ao ver um homem no trem brincando com uma calculadora enquanto ia para o trabalho. Ele pensou que a tecnologia de LCD da calculadora já era barata o suficiente, e com isso criou uma série de desenhos que permitiam que a personagem se movimentassem sem o uso de processadores caros e programações complexas. Isso casava com o pensamento de Yamauchi de que os produtos precisavam ter um custo acessível para que mais pessoas pudessem comprar, mas fossem únicos e pudessem permanecer no mercado por mais tempo.
“Pensamento lateral com tecnologia envelhecida” – A.K.A. como faturar com tecnologias acessíveis
Isso, na verdade, casava com uma filosofia criada por Gunpei Yokoi que ele chamou de “pensamento lateral com tecnologia envelhecida” (em tradução livre). A ideia é usar avanços tecnológicos já estabelecidos que são baratos e bem compreendidos, o “pensamento lateral” significa encontrar maneiras completamente novas de usar essa tecnologia. O objetivo dessa abordagem era encontrar maneiras novas e instigantes de jogar, podendo tornar os produtos mais acessíveis.
Com esse conceito, Yokoi desenvolveu o Game Boy, que apesar de não ter tela colorida, era o portátil com maior vida de bateria, e mais barato. Além disso, esse pensamento também norteou o desenvolvimento do NES, que foi o primeiro console de mesa da Nintendo a conquistar um público mundial.
É possível ver como esse pensamento pauta a Nintendo até os dias de hoje. Diversas vezes o presidente atual da empresa, Satoru Iwata, mencionou como o desenvolvimento do Nintendo DS e do Wii foram norteados pelos “discípulos” de Yokoi.
Ok, mas e o Virtual Boy do título?
Calma, não fique bravo. Apesar de parecer que batemos o recorde de maior nariz de cera da história dos blogs, a historia inicial da Nintendo é tão bacana que merecia ser relembrada. E o Virtual Boy é um capítulo à parte disso tudo, além de ser um dos maiores exemplos do uso da filosofia de Yokoi.
Um fracasso retumbante da empresa, mas que influenciou uma série de produtos futuros. Assista o vídeo e entenda como ele funciona. E acredite, tem coisa boa pra contar.
Que delícia de texto, cara! Completamente digno da Nintendo.
Que delícia de texto, cara! Completamente à altura dos 125 da Nintendo.