
Sem dúvida alguma, o Atari Jaguar, último console produzido pela mística Atari, é um dos consoles mais controversos da história. E o Kapoow assume a função de desmistificar esse videogame com nome de felino que era a última cartada da Atari na tentativa de retornar ao topo do mercado.
Em 1993 a Atari não era nem sombra do que foi no início da década de 80. A outrora empresa que praticamente criou o mercado de videogames como conhecemos hoje, vinha de um fracasso atrás do outro. Suas duas tentativas de substituir o Atari 2600/VCS fracassaram, com Atari 5200 e o 7800. Seu portátil, o Atari Lynx, bem mais avançado que os consoles da concorrência (foi o primeiro portátil colorido da história e também o primeiro 16 bit) patinava no mercado, perdendo feio para o preto e branco (ou melhor, preto e verde) Game Boy da Nintendo. A empresa então apostava todas as suas fichas no seu próximo console de mesa.
Inicialmente planejando o lançamento de um console de 32 bit, que tinha o codinome “Panther”, o projeto rapidamente foi deixado de lado em favor de outro mais promissor, que trazia potentes 64 bit, número que causava grande pressão, já que naquela época, no “imaginário popular”, a quantidade de bit de um console era proporcional à sua qualidade. E assim a Atari aceitou investir nesse novo projeto, que assim como o seu portátil e o projeto anterior, também tinha nome de um felino: Jaguar!

Eis que em Novembro de 1993, a Atari lança o Jaguar em duas cidades dos Estados Unidos (New York e San Francisco), como forma de testar a recepção do mercado para com o novo console. Nesse momento o Jaguar foi muito bem, vendendo praticamente todas as unidades colocadas à disposição. O aparelho custava 249.99 dólares e vinha com um controle, cabo RF, fonte e o game Cybermorph. Além desse game, estava disponível para compra também o game Trevor McFur in the Crescent Galaxy.
Após esse teste, a Atari, satisfeita com o resultado, realizou o lançamento do console em todo o país no início de 1994. O Slogan da empresa era “Do the Math” – Faça a conta, se referindo à larga superioridade em bits em comparação com os consoles da concorrência – Mega Drive, Super Nintendo e Neo Geo tinham 16 bit, enquanto o recém lançado 3DO tinha 32 bit. O problema é que com esse slogan, a Atari de fato fez os gamers da época fazerem as contas, e perceberem que apesar de ter maior número de bits, o console não entregava essa superioridade em seus games.
O ‘BIT’ DO PROBLEMA
Diante disso, até mesmo a veracidade das informações sobre o hardware do console começou a ser questionada. E de fato, é algo questionável. Senão vejamos: o Jaguar é composto por cinco processadores, dispostos da seguinte forma:
- Processador gráfico – 32 bit;
- Processador de objetos – 64 bit;
- Processador “blitter” – 64 bit;
- Processador de som – 32 bit;
- Processador central – 16 bit.
O que se questionava é que como o processador central do aparelho é de 16 bit, o mesmo ficava limitado a produzir jogos com essa “potência”, sendo na realidade um console de 16 bit. Porém, esse processador central (que aliás é o mesmo do Mega Drive, o Motorola 68000) funcionava na verdade como o maestro do aparelho, gerenciando funções como os comandos do controle, por exemplo. O problema é que muitos programadores, não conhecendo as melhores formas de trabalhar o hardware, utilizavam apenas esse processador central para programar os jogos, principalmente ports de games de consoles 16 bit. Resultado: games com cara e alma de 16 bit.
Aqui se desmascara outro grande problema do Jaguar, que aliás afetou diversos outros sistemas na história dos videogames: a dificuldade de programação. Utilizando a linguagem Assembly, que notoriamente não é das mais amigáveis, e ainda com o fraco suporte de kits de desenvolvimento de jogos oferecido pela Atari, programar no Jaguar utilizando sua potência máxima (5 processadores) era um desafio e tanto. Desafio esse que talvez ninguém tenha superado durante a sua história.

E quanto aos jogos?? Quero saber dos jogos!!! Então falemos deles! Os dois que estavam disponíveis no lançamento, Cybermorph e Trevor McFur, apesar de trazerem algumas inovações, eram cheios de defeitos. Enquanto isso, os adversários produziam clássicos como Gunstar Heroes e Street Fighter II Special Champion Edition no Mega Drive, Star Fox e Secret of Mana no Super Nintendo e Road Rash no 3DO. Isso aumentava muito a responsabilidade da Atari, exigindo da empresa o lançamento de um “killer-app” urgentemente, para garantir que o Jaguar tivesse alguma chance nesse competitivo mercado. Será que os jogos que vieram a seguir conseguiram atingir esse objetivo? Veja você mesmo, nas linhas abaixo:
LISTA INICIAL DE JOGOS DO JAGUAR
Primeiro game de 64 bit da história, Cybermorph era o jogo que acompanhava o Jaguar (Pack-In), no final de 1993. O game é trabalho da desconhecida softhouse Attention to Detail. O jogo tentava embarcar no “hype” de Star Fox do Super Nintendo, mas na verdade não tinha nada a ver com ele. Star Fox era um shooter sob trilhos, o que não é o caso de Cybermorph, cuja mecânica oferece a pilotagem de uma nave livremente dentro de um mapa. Aliás, a liberdade que o jogador tinha de movimentar livremente a nave era um fator utilizado pela Atari para dizer que Cybermorph era melhor que Star Fox.
O objetivo é recolher diversos pods que contém informações secretas, armas e outros itens vitais para tentar derrubar o terrível império de Pernitia, que domina a maior parte dos planetas. Então você, pilotando a T-Griffon, uma nave de ataque que se molda de acordo com a necessidade, deve ir de planeta em planeta recolhendo esses pods e salvar a galáxia desse império maldito. Parece divertido? Mas não é… Porém não é de todo ruim também.
De fato a impressão inicial que se tem é que o jogo é muito ruim. Os gráficos poligonais não possuem textura e isso os torna muito pouco realistas. O Jaguar com frequência utilizava a técnica de “gouraud shading” que produz polígonos mais bonitos, porém sem textura e Cybermorph era praticamente inteiro de gouraud shading.
O jogo tem um ritmo lento, o que não é comum em jogos de nave, em especial um game que tenta mostrar que Star Fox do Super Nes era coisa do passado. Mas a medida que você vai jogando se percebe que é sim possível se divertir com ele.
Tirando a música de abertura, o game não possui música e isso quebra demais a empolgação. Shooter de nave sem música não dá… Lembro que as revistas da época faziam um estardalhaço com o efeito de morfar da nave, dizendo que utilizava a mesma técnica do filme Exterminador do Futuro 2 (aquele do metal líquido). Confesso que em nenhum momento vi algo assim no jogo. O marketing da Atari estava muito fora de órbita naquela época mesmo.
Trevor McFur in the Crescent Galaxy foi o segundo jogo feito para o Jaguar, disponível já na sua primeira semana de lançamento, no final de 1993. O game produzido pela própria Atari, é um Shmup com gráficos que de cara já chamam a atenção, mostrando boa qualidade.
Porém, rapidinho o jogador percebe que a Atari falhou de novo com esse game. Imagine você, um Shmup sem música!!! É isso mesmo, o game só tem música na abertura e nos créditos finais.
Durante o jogo, existem apenas efeitos sonoros (chatinhos por sinal). Pense você jogando um Thunder Force III do Mega Drive sem aquela música fantástica ao fundo? O game perderia no mínimo 50% de sua qualidade certo? Esse defeito torna Crescent Galaxy um game extremamente chato.
Os próprios gráficos que inicialmente pareciam bons, vão se mostrando confusos e sem inspiração, especialmente nos cenários de fundo. Em algumas fases se tem a nítida impressão que os ilustradores do games não estavam normais durante a sua criação.
A história do game é clichê: uma entidade do mal domina a galáxia e você, membro Circle Reserves, um grupo de combatentes espaciais, deve salvar o planeta. Aqui vale outra menção à Star Fox: o personagem principal, Trevor McFur, também é um felino.
O sistema de power ups do game se divide em dois: power ups que melhoram o tiro da nave e que duram por tempo indeterminado (até perder aquela vida) e outros que funcionam por tempo determinado, como uma nave extra que aparece para ajudar, ou um escudo de invencibilidade. Esses power-ups são acionados utilizando o teclado alfa-numérico do controle. Então se você não tiver o overlay para indicar o que cada botão aciona, você irá sofrer um pouco.
Esse é Crescent Galaxy, um game que tinha tudo para mandar bem, mas que sem música, acaba se tornando apenas mais um joguinho chato.
Evolution: Dino Dudes iniciou a segunda leva de games para o Jaguar, no início de 94. O game é um jogo de quebra-cabeça produzido pela Imagitec Design, parceira na produção de diversos jogos do Jaguar. O jogo é continuação da série Humans, que começou no Mega Drive e nos computadores da família Amiga.
Aqui você controla alguns homens das cavernas que precisam apenas de uma coisa: sobreviver. O problema é que lhes falta inteligência para isso. Então você entra em campo, para guiar esses manés para que se mantenham vivos e consigam realizar as tarefas cotidianas como fugir de dinossauros, achar lanças, saltar penhascos e por aí vai.
O game foi o primeiro do Jaguar a ter música dentro do jogo e isso já merece ponto positivo. Os gráficos são bem bonitos. Os desafios do jogo são interessantes e desafiadores, deixando o jogador bem ligado no game. Você vai sim quebrar a cabeça para conseguir resolver os desafios que envolvem todas as 80 fases do jogo.
Não é nem de longe um jogo revolucionário que faria alguém comprar um console novo por ele, mas foi uma boa adição à biblioteca inicial do Jaguar, pois ampliou o leque de estilos de jogos disponíveis para ele. Afinal, até então existiam apenas dois jogos de tiro espacial no console.
Raiden é um clássico Shmup dos Arcades de 1990 que foi portado para o Jaguar nessa segunda leva de lançamentos no início de 94, também pela Imagitec Design. A história é a mais simples possível: aliens invadiram a terra e você, piloto da aeronave de ataque supersônica Raiden tem que resolver a parada. Ele é um jogo que dispensa maiores apresentações. É um de meus shoot´em ups preferidos. Música de qualidade, dificuldade alta (porém nada que torne o jogo impossível), gráficos competentes, enfim, tudo o que um “shmup” precisa.
E essa versão para o Jaguar não deixou a desejar em nada. De cara já se percebe que está bem mais fiel aos arcades que as versões de Mega Drive e Super Nintendo (chamadas de Raiden Trad), o que para a Atari, era fundamental para na época.
Talvez o único ponto negativo seja essa enorme barra criada na lateral direita do game para trazer as informações. Ela precisava ser tão grande assim? Cobre um terço da tela… Com certeza foi a forma encontrada para manter o aspecto do arcade. Talvez fosse legal ter a opção de jogar com ou sem ela. Enfim, nada é perfeito.
Ah, lembrei de outra coisa negativa: o controle do Jaguar não é o ideal para um game onde se tem que apertar o botão de tiro tantas vezes como Raiden. Então prepare-se para ficar com as mãos doloridas.
A verdade é uma só: da leva inicial de games do Jaguar, Raiden é disparado o melhor deles e um jogo obrigatório para qualquer fã de “jogos de navinha” como se dizia antigamente.
Quando a Atari parecia ter entrado no rumo certo, ela me vem com Club Drive. Produzido pela própria Atari, Club Drive tentava mostrar as capacidades 3D do aparelho, mas falhou miseravelmente nessa tentativa.
A história é criativa: no ano de 2098 dirigir havia se tornado proibido. Criaram então um parque temático, o Club Drive, onde as pessoas poderiam dirigir em carros indestrutíveis, como diversão. Tudo isso em quatro pistas: o velho oeste, a cidade de São Francisco do século vinte, uma pista de corrida e uma enorme casa onde o piloto se sentirá dirigindo um carrinho de brinquedo.
Existem dois modos de jogo: modo de corrida, para um ou dois jogadores, onde se deve chegar o mais rápido possível de um ponto ao outro do mapa, e um modo onde se deve coletar as chamadas bolas de força no menor tempo possível.
Os gráficos poligonais do game são sofríveis, sem nenhuma textura e aparentando não ter nenhum acabamento (nem mesmo o gouraud shading de Cybermorph e diversos outros games do Jaguar). As músicas e os efeitos sonoros são irritantes!!!
Pra coroar o desastre, ele é extremamente bugado… Seu carro algumas vezes vai desafiar todas as leis da natureza e sair sozinho da pista, caindo em abismos que o jogador só conseguirá sair se resetar o game. O ideal mesmo é desligar e nunca mais ligar esse jogo de novo.
Club Drive é o pior jogo dessa leva inicial de games do console e um dos piores jogos do Jaguar. Decididamente esse é um clube do qual eu não quero fazer parte.
A PRIMEIRA IMPRESSÃO FICOU DE VEZ.
De fato, o início do Jaguar não foi nada promissor, e o mercado sentiu isso. Sem nenhum grande jogo nessa leva inicial, o Jaguar mostrou não ter fôlego para competir no disputado mercado da época. Mas nem tudo estava perdido. A Atari anunciava alguns jogos com bastante potencial para alavancar as vendas do console. O principal destaque desses anúncios ficou com o game Alien Vs. Predator, duas grandes franquias do cinema unidas em um game que mostrava muito potencial pelas fotos apresentadas na época. O game seria lançado ainda em 1994, ano em que também outro grande jogo do console foi lançado: Tempest 2000.
Além dos jogos anunciados para o futuro do console, a Atari também trabalhava em alguns acessórios que poderiam causar bastante impacto. O mais conhecido é o Jaguar CD, que possibilitaria a utilização de jogos em CD, que era a mídia forte daquela época. Além dele a Atari trabalhava em um óculos de realidade virtual, em um projeto bastante revolucionário, juntamente com a empresa Virtuallity, que já produzia gabinetes especiais de arcades com essa tecnologia. Infelizmente o óculos não passou da fase de protótipo.
Confira o vídeo com o review completo que fiz do aparelho, seus acessórios e de sua linha inicial de jogos, no programa Video Game Data Show, do site Video Game Data Base – VGDB (www.vgdb.com.br). Farei ao menos outros 3 episódios sobre o Jaguar, para falar sobre os jogos mais legais e os piores jogos do console e também sobre o Jaguar CD e sua pequena biblioteca de jogos. Fique ligado aqui no Kapoow e no VGDB e não perca essa verdadeira epopeia sobre o último e mais polêmico felino da Atari.
Infelizmente o Jaguar apresentava muito pouca coisa que justificasse sua compra na época, já que os jogos dos consoles de 16 bit eram bem superiores aos do console dos ditos 64 bits.
A linha inicial de jogos do console era muito fraca e queimou bastante o filme do console. Fique ligado aqui no Kapoow que em junho chega a segunda matéria sobre o Jaguar, mostrando o top 10 de seus jogos.
Uma pena a Atari ter se perdido com esse promissor console. O golpe final veio em 1994, com o lançamento do Playstation e Saturn, que encerrou de vez qualquer plano de reação da empresa americana.
a nintendo vem indo no mesmo caminho